
“Michelle, nunca te amei tanto como agora”,
diz: Barack Obama No palanque da vitória, em Chicago, Michelle
abraça Obama. Ele disse que se orgulha da popularidade da esposa
A reeleição de Barack Obama tranquiliza
o mundo. A presidência da mais poderosa nação seguirá com um líder
empenhado em manter o crescimento do país, gerar empregos, amparar a
população afetada pela crise e respeitar os direitos civis
O mundo respirou aliviado graças ao trabalho de gente como Natasha
Williams. Negra, de classe média, 50 anos, Natasha tirou folga no
departamento de polícia do condado de Orange, onde é funcionária, para
lutar por Barack Obama como voluntária do Partido Democrata. Sua tarefa
era a mesma de um batalhão de advogados que os democratas espalharam
pelos cantos empobrecidos e populosos da Flórida, o Estado multicolorido
onde, talvez, os Estados Unidos mais se pareçam com o resto do planeta.
Natasha estava empenhada em garantir que eleitores, principalmente
negros e hispânicos, tivessem o direito de votar. E foi desse jeito que
veio a vitória. Barack Obama acabou reeleito presidente pela força da
nova base política que se impõe no país, formada por latinos, negros,
mulheres e jovens com menos de 30 anos. A ameaça de um revés
conservador, que o mundo inteiro temia, passou. O Partido Republicano,
sempre ávido por guerras, amante da ortodoxia econômica e cada vez mais
insensível aos problemas sociais, sucumbiu ao voto.
Desde as sete da manhã da terça-feira 6, Natasha Williams deu plantão
na igreja adventista Bethel, num bairro pobre de Orlando. Com o celular
conectado ao comitê local da campanha de Obama, ela resolvia casos como
o da cozinheira Jaimie Martyn, que, embora vizinha da igreja, tinha
recebido um documento mandando-a atravessar a cidade para votar em outro
lugar. “Esta carta não faz sentido e eles têm que permitir que você
vote aqui”, explicava Natasha enquanto escoltava Jaimie até a longa fila
na porta da igreja. A exclusão de eleitores vindos de minorias, que em
2000 marcou a eleição de George W. Bush, foi brecada na marra. Na
Flórida, 23% dos eleitores são hispânicos; 16,5%, negros; 51%, mulheres.
Quase dois milhões de habitantes têm entre 18 e 30 anos.
Depois de uma longa e acirrada campanha, a reeleição do presidente
Barack Obama foi comemorada por multidões nas ruas das maiores cidades
americanas. Acompanhado da mulher, Michelle, e das duas filhas, Sasha e
Malia, Obama foi ovacionado no estádio em Chicago onde fez seu discurso
de vitória, depois da uma da manhã de quarta-feira 7. “Mais quatro
anos!”, gritavam os eleitores, repetindo o refrão dos comícios. Obama
homenageou com carinho a mulher e as filhas e agradeceu o envolvimento
dos voluntários democratas que estimularam o comparecimento dos
eleitores. “Tenha eu merecido seu voto ou não, ouvi sua voz”, disse.
“Aprendi com vocês e voltarei à Casa Branca mais inspirado do que
nunca.” Desta vez, sem prometer o impossível, fez um pronunciamento
pragmático e pediu pela união do país.

Os quatro anos de presidência de Obama foram duros e lhe custaram um
naco de popularidade. Quando assumiu, em janeiro de 2009, o mundo estava
submerso numa crise de dimensão histórica. A maneira como enfrentou os
obstáculos, contudo, garantiu a Obama uma imagem suficientemente sólida
para a reeleição. O caso da indústria automobilística é um dos melhores
exemplos. As montadoras americanas pareciam destinadas ao sumiço. Numa
medida impopular, a primeira de outras tantas que os analistas políticos
condenaram, Obama socorreu as gigantes Chrysler e General Motors (GM)
com empréstimos de emergência. Em contrapartida, exigiu o corte de
custos trabalhistas e a revisão de seus modelos de negócio. O Partido
Republicano foi contra. Mitt Romney, o candidato derrotado dos
republicanos, chegou a escrever um artigo para o jornal “The New York
Times” intitulado “Deixem Detroit quebrar”. Quatro anos depois, Obama
venceria em Ohio, no meio-oeste, onde se concentra boa parte da
indústria automobilística americana. Ele era o “salvador” de mais de um
milhão de empregos. Seu adversário, o candidato dos ricos. “Se Romney
for eleito, os milionários vão controlar o governo”, dizia Matthew
Szymanski, de 51 anos, que acompanhou, na semana passada, o último
comício de Michelle Obama num parque perto do aeroporto de Orlando.
Ex-militar, dono de uma imobiliária que quebrou com a crise na Flórida,
Szymanski sente que os republicanos “querem voltar aos anos 50”.

À revelia da oposição, durante seu mandato Obama também aumentou os
controles do mercado financeiro, reduzindo as brechas que levaram à
crise de 2008. Com ele, a interferência do Estado cresceu e isso acabou
sendo fundamental para reaquecer a economia. Assim, não apenas nos
Estados Unidos, mas por todo o mundo, Obama firmou-se como o maior
porta-voz da agenda da ação governamental em oposição à austeridade
ortodoxa. O pacote de estímulos de mais de US$ 800 bilhões que aprovou
foi importante para injetar ânimo no mercado e investimentos em
infraestrutura. A taxa de desemprego recuou para abaixo de 8% faltando
dois meses para as eleições e a previsão é de que o Produto Interno
Bruto avance 2%. Para Marty Linsky, professor de políticas públicas da
Universidade de Harvard, os americanos gostariam que a economia
estivesse melhor. “Mas, por outro lado, eles sabem que as coisas estão
melhorando, mesmo que seja tão lentamente”, disse Linsky à ISTOÉ.

No discurso da vitória, Obama tratou de preparar os americanos para
dificuldades que o país terá pela frente. Enfrentando uma feroz batalha
sobre o déficit público com a Câmara dos Deputados, que continua sob
controle republicano, Obama prometeu negociar. “Quero trabalhar nos
próximos meses com os líderes dos dois partidos para enfrentar os
desafios que só podemos resolver juntos, como reduzir o déficit,
reformar o sistema tributário, mudar as regras de imigração e livrar-nos
do petróleo estrangeiro”, afirmou. O primeiro teste será a capacidade
de fechar um urgente acordo sobre os limites de endividamento no País
para evitar um corte drástico (de US$ 600 bilhões) nos gastos públicos.
Dois dias depois de pedir conciliação, Obama já recebeu sinais de que os
republicanos aceitam negociar para dosar o corte.

A opção de Obama pelo multilateralismo como peça central de sua
política externa é outro ponto que tranquiliza a comunidade
internacional. O presidente que caçou o terrorista Osama Bin Laden, para
o regozijo dos americanos, foi prudente quando se deparou com novas
ameaças. No momento em que os levantes da Primavera Árabe ganharam força
na Líbia no ano passado, por exemplo, ele liderou uma intervenção no
país para frear a ofensiva do regime de Muamar Kadafi contra os
rebeldes. Mas só fez isso depois de apoiado pelo Conselho de Segurança
das Nações Unidas, pela Otan e a pedido da própria Liga Árabe, o que era
impensável até algum tempo atrás. Em relação ao Irã, acusado de
fabricar bomba atômica, Obama também atuou junto à ONU para negociar
sanções a Teerã, que incluem o veto ao fornecimento de armamentos
pesados e tecnologia nuclear. Romney passou a campanha inteira sugerindo
medidas mais drásticas.

O tom raivoso do Partido Republicano despontou como marca contundente
na campanha eleitoral, o que ajuda a entender o alívio global
experimentado com a eleição de Obama. A última administração
republicana, com George W. Bush, representou um colossal fracasso,
coroado por duas guerras (Afeganistão e Iraque) e um crash global gerado
na permissividade que foi ofertada aos financistas de Wall Street. A
esse desastre, surpreendentemente, o partido respondeu com a
magnificação do Tea Party, sua falange mais hidrófoba, conservadora e
estridente. Essa guinada à direita, temperada pelo fundamentalismo
religioso e fanatismo fiscal, acabou revelando-se desastrada: o Tea
Party perdeu força no Congresso, amargando derrotas de algumas de suas
principais estrelas. O resultado da eleição mostrou que republicanos
ignoraram a mudança demográfica que ocorreu nos Estados Unidos,
confiando no público de sempre – homens brancos, acima de 40 anos, cuja
participação no total do eleitorado vem caindo. Um de seus principais
equívocos foi a mudança de posições sobre imigração. Nas épocas de forte
crescimento econômico, ainda que isso não ficasse explícito
publicamente, os republicanos viam a chegada de imigrantes como uma
maneira de evitar pressões por aumentos salariais em setores que usam
muita mão de obra. Nessa campanha estrilaram por linha dura, numa
cruzada contra os imigrantes ilegais. A réplica das urnas foi clara:
mais de 70% do eleitorado latino, que ganha relevância nacional com
participação de 10% no total, votou em Obama, apesar das críticas que
vinha fazendo à timidez de seu governo sobre o tema. Agora, a reforma
migratória vai virar ponto central do novo mandato dos democratas.

Na questão dos direitos civis, o precipício que separa conservadores e
liberais parece ainda maior do que o abismo fiscal que desafia Obama.
Os republicanos, tradicionalmente contra o aborto (legal nos Estados
Unidos desde a década de 70), vêm elevando o tom de suas críticas ao
procedimento. Alguns de seus candidatos mais religiosos passaram a
rejeitar o aborto até em caso de estupro. O governador da Flórida, Rick
Scott, colocou na cédula desta eleição uma proposta – que acabou
rejeitada pelos eleitores – para eliminar recursos públicos dirigidos à
prática do aborto. Os republicanos fizeram ainda diferentes sugestões de
limitação ao uso de contraceptivos e defenderam leis que proíbem
direitos às uniões de pessoas do mesmo sexo. Enquanto isso, eleitores de
três Estados, Maine, Maryland e Washington, aprovaram casamentos gay e o
Colorado passou a aceitar o uso recreativo da maconha. Num cenário
desses, Obama reforçou a imagem de tolerância dos democratas ao dizer em
seu discurso que todos têm a chance de ter sucesso nos Estados Unidos,
sejam eles “brancos, negros, asiáticos ou indígenas, jovens ou velhos,
saudáveis ou deficientes, gays ou heterossexuais”.


Não é difícil entender por que a página editorial do “Wall Street
Journal”, um dos mais tradicionais bastiões do conservadorismo nos
Estados Unidos, fez um editorial depois da derrota de Romney afirmando
que o Partido Republicano não sobreviverá sem adaptar suas posições à
nova demografia do País. “Os republicanos viraram o partido de um número
declinante de eleitores mais velhos e brancos, concentrados no sul ou
em comunidades rurais e pequenas cidades”, afirmou o jornal. Isso é
visível em qualquer reduto republicano. Num local de votação de um
bairro de alta renda em Orlando, um casal de mais de 60 anos, que
preferiu não se identificar, explicava que votaria em Romney “porque
Obama apoiava coisas proibidas pela ‘Bíblia’”, como o aborto ou o
casamento gay. No comitê central de campanha de Mitt Romney em Orlando,
que ocupava uma loja de um shopping a céu aberto, o voluntário Dale
Smith, de 67 anos, veterano da guerra do Vietnã, dizia que a eleição de
Obama feria liberdades econômicas e garantias fundamentais da
constituição, como a de portar uma arma. “Defendemos nossa liberdade
contra o socialismo que Obama quer implantar”, bradou, reclamando dos
gastos em programas sociais e da alta dívida do país. Smith passou 15
minutos explicando por que a jornalista brasileira deveria assistir a um
documentário do comentarista politico Dinesh D’Souza, recheado de
teorias conspiratórias sobre a influência da família e infância de Obama
em suas convicções políticas. Mais impressionante foi a reação do
comentarista conservador Rush Limbaugh, um dos mais agressivos críticos
do presidente, em seu programa de rádio no dia seguinte à reeleição.
“Não consigo entender como não elegemos um homem tão bom como Romney”,
afirmava Limbaugh. Sua teoria para explicar a derrota era simplória: “É
impossível ganhar a eleição do Papai Noel”.




Por Tatiana Bautzer, enviada especial a Orlando, Flórida
Colaborou Mariana Queiroz Barboza
Foto: Robyn Beck/AFP PHOTO
Fotos: Cheryl Senter/The New York Times/Latinstock; Jeff Haynes/Reuters/Latinstock
Fotos: Seth Wenig e ROGERIO BARBOSA/AP Photo
Fotos: Jewel Samad/AFP PHOTO; Scott Olson/Getty Images/AFP
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Fotos: Cheryl Senter/The New York Times/Latinstock; Jeff Haynes/Reuters/Latinstock
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